Akturkoglu e Pastor do jogo da 1.ª volta entre Benfica e Farense, que os encarnados venceram, por 2-1, no Estádio Algarve
Com a descida do Farense, o sul ficou sem lugar na Liga em 25/26

Reportagem A BOLA Deserto a Sul na Liga, 22 anos depois

NACIONAL03.06.202518:33

Liga só será representada do Norte a Lisboa na próxima época, o que não sucede desde 2003/04. Alentejo 'em seca' desde a temporada 2000/01

Com a descida do Farense à Liga 2, o mapa do futebol em Portugal partiu-se e o Sul do nosso País na próxima temporada não terá qualquer representante no principal escalão. Só de Lisboa para norte e nas ilhas poderão ser vistos jogos ao vivo da Liga. Temos de recuar até 2003/04 para encontrar a última vez que se verificou esse cenário, quando o Vitória de Setúbal disputou a Liga 2 e não houve representantes do Algarve nem do Alentejo no principal escalão.

O mapa da Liga em 2025/2026

A BOLA procurou saber as razões para esta desértica realidade futebolística a sul e principalmente no Algarve, região que nos últimos oito anos teve clubes na Liga.

Albertino Galvão, presidente da AF Algarve, não encontra explicação para a atual crise do futebol da região, mas confia que essa realidade será passageira e que, no final da próxima época, tanto o Farense como o Portimonense poderão  festejar o regresso à Liga.

No Alentejo, fomos conhecer as pretensões do Lusitano de Évora, que ascendeu à Liga 3 e que na atualidade é o clube dessa região mais próximo dos escalões profissionais.

«Olhamos com muita tristeza. O Algarve sempre teve duas equipas de Liga, infelizmente, na próxima época, não vamos ter nenhuma», vincou Albertino Galvão, presidente da AF Algarve, confessando o sentimento que tomou conta da associação após a despromoção do Farense.

Albertino Galvão (dta), presidente da AF Algarve. Foto: AF Algarve

«Os algarvios vão, adoram e vivem o futebol. Se olharmos para as estatísticas e as percentagens de ocupação dos estádios, se calhar, no Algarve, estiveram acima do meio da classificação e, nesse aspeto, isso mostra essa paixão pelo futebol. Mas acredito que na próxima época as coisas se vão recompor e que as equipas do Algarve vão regressar à Liga, que é onde merecem estar», manifestou ainda o dirigente máximo do futebol algarvio,  que não encontra um motivo para este momento de crise: «Sinceramente, não encontro explicações. Falo do Farense porque foi a equipa que desceu este ano, em que fora fez sempre bons resultados e em casa não conseguiu ganhar o último jogo, que poderia garantir a manutenção.»

A distância da região em relação aos outros clubes que disputam os campeonatos profissionais já não é entrave, como outrora: «Atualmente, com as condições das estradas, esse facto não se põe, apesar de ser sempre uma equipa do Algarve ao longo de uma época a fazer muito mais viagens do que as outras. No mínimo, que é para Lisboa, são 600 quilómetros.»

Alentejo paga o preço da interioridade

O panorama alentejano ainda é pior do que o algarvio: desde 2000/01, então com o Campomaiorense, que a região não está na Liga. O Lusitano de Évora é o clube com mais presenças, 14 [entre 1952 e 1966], seguido do emblema de Campo Maior [finalista da Taça de Portugal em 1998/99] e do Elvas, ambos com cinco, e do SL Elvas, com duas. O Lusitano de Évora vai disputar a Liga 3 em 2025/26 e é o que está mais próximo desse patamar. 

«Na indústria e nas grandes empresas poucas são sediadas na região. Infelizmente, também as que têm representação a nível nacional e negócios em todas as regiões optam por ajudar e por patrocinar quem menos precisa, como Benfica, Sporting ou FC Porto. Sabemos que a televisão e os grandes clubes acabam por lhes dar mais visibilidade, mas isso faz criar uma bola de neve que se torna cada vez maior e a capacidade de competir é cada vez menor para quem tem menos. Além disso, os apoios institucionais das autarquias são muito reduzidos. É muito difícil um clube, neste caso do Alentejo, poder almejar a chegar a uma Liga, sem ter investidores externos», apontou Pedro Caldeira, presidente do Lusitano de Évora, sobre as dificuldades dos clubes alentejanos. «Os adeptos existem e prova disso tem sido o caminho que temos feito nos últimos anos no Campeonato de Portugal. Cada vez vão mais pessoas ao estádio para acompanhar a equipa, mas acima de tudo tem a ver com os apoios», disse ainda.

Pedro Caldeira e Pedro Russiano, presidente e treinador do Lusitano de Évora, que subiu à Liga 3

A interioridade também é outro obstáculo, principalmente na contratação dos jogadores. «Se queremos recrutar, por exemplo, um  que mora em Lisboa, um clube da mesma divisão da zona contrata-o e tem apenas o custo do ordenado, enquanto nós temos esse custo, o da alimentação e do alojamento. Tudo isso joga contra nós», argumentou. 

O percurso do Lusitano de Évora nesta temporada foi brilhante e culminou com a subida à Liga 3. Apesar das dificuldades, Pedro Caldeira deixa a garantia de que o clube alentejano quer fazer boa figura no terceiro escalão: «Nós, neste momento, não podemos pensar a médio e longo prazo. Temos de pensar mais a curto e médio. É claro que a próxima época já está a ser preparada e a nossa intenção não é ir para a Liga 3 e estar ali até a última jornada a lutar para não descer. O nosso objetivo é ficar por lá. Mas também temos de ver algumas situações que estão a ser negociadas neste momento, para perceber qual é a perspetiva com que podemos encarar a época.»

Desgaste físico, mental e financeiro

Para o Portimonense, a fuga ao desgaste financeiro que a participação na Liga 2 provoca é... a Liga. Por isso, o clube do barlavento algarvio tem esse objetivo definido para a próxima temporada, depois de uma campanha desgastante em 2024/25, em que garantiu a permanência apenas na parte final do campeonato.

«O objetivo do Portimonense será regressar à Liga. E tem todas as condições para que isso seja possível», acredita Rodiney Sampaio, presidente da SAD do clube de Portimão, dizendo ainda que jogar na Liga 2, em termos financeiros, é muito complicado: «É inviável se não houver receitas de vendas e participações financeiras dos acionistas. O dinheiro que vem da TV, por exemplo, mal cobre as deslocações, estadias e os tratamentos dos relvados.» 

Rodiney Sampaio, presidente da SAD do Portimonense. Foto: PORTIMONENSE SAD

Rodiney Sampaio reforçou o peso do dinheiro, ou a falta dele, na consolidação do clube na Liga. «As deslocações, alojamentos e alimentação absorvem em média 500 mil euros por ano e desportivamente temos de ter uma estrutura e infraestruturas para motivar os jogadores. Não é fácil convencê-los a virem jogar para o Algarve», salientou.

Fisicamente longe da maioria dos outros clubes, Rodiney Sampaio aponta também a distância como um fator que afeta, e a vários níveis, caso da preparação da equipa antes dos jogos como visitante: «As deslocações são um problema para todos os clubes do Algarve, devido ao cansaço físico e mental, embora o nosso autocarro tenha mais espaço e entretenimento, com Wi-Fi e monitores individuais. Mas de duas em duas semanas temos de viajar para o norte, com média de sete horas de viagem, e os jogos mais próximos distam cerca de quatro horas. Os outros clubes têm menos dificuldades nesse aspeto e ficam com mais tempo para se prepararem, porque não o perdem em viagens.»

«Antes havia mais qualidade nos plantéis e tínhamos mais amor aos clubes»

Antigo médio/extremo direito formado no Olhanense, e que também representou, por terras algarvias, o Portimonense entre 1985 e 1987, transferindo-se depois para o Benfica, Augusto, em conversa com A BOLA sobre o deserto futebolístico a sul do País, destaca que o problema do futebol na região algarvia deve-se à «falta de dinheiro e à qualidade dos jogadores» ao serviço das equipas.

«O Portimonense, apesar de estar na Liga 2, não tem grande qualidade no plantel, porque está a lutar sempre para não descer de divisão. E o investidor [Theodoro Fonseca] da SAD é que manda em tudo, nos jogadores e no treinador, porque ele é que mete o dinheiro todo no clube. O Portimonense pode ter dois ou três jogadores de qualidade, mas os restantes não têm qualidade para estar numa primeira divisão», apontou, de forma crítica.

Augusto jogou no Portimonense entre 1985 e 1987. Foto: D.R.

Para Augusto, outros valores se levantavam no seu tempo, antes da mercantilização do futebol, bem diferentes dos atuais. «Tanto no Portimonense como no Farense havia mais qualidade nos plantéis que eram construídos e tínhamos mais amor aos clubes, o que não acontece atualmente com muitos jogadores que são contratados. Naquela altura dávamos tudo dentro de campo, deixávamos o suor todo dentro das quatro linhas. Isso não quer dizer que hoje não o façam, mas não é o suficiente. Deixei de ver futebol por causa disso», justificou, desiludido com o atual panorama, sobretudo a sul do País.

OSZAR »