Villas-Boas dá-se bem com Jorge Jesus...
'Hat trick' é o espaço de opinião semanal do jornalista Paulo Cunha
A equipa de futebol de onze seniores masculinos do FC Porto joga muito, muito poucochinho. A crítica é dura, admito, mas após aquela segunda parte frente ao Inter Miami as palavras até podiam ser mais cáusticas.
Na reta final do jogo disputado em Atlanta, um lance resume o annus horribilis dos dragões, o segundo consecutivo, embora o atual deva corar ainda mais de vermelho (vergonha) os azuis e brancos. Talvez se recorde da jogada em causa, iniciada no meio-campo dos portistas, ali na zona do grande círculo, sobre a esquerda. Fábio Vieira, em progressão, fez passar a bola por entre as pernas de Lionel Messi — uma cueca como se diz em bom futebolês — e depois colocou-a diretamente fora pela linha lateral quando tentava lançar um companheiro na direita. Só visto...
Desde que Martín Anselmi substituiu Vítor Bruno, em janeiro, é assim — por cada lampejo positivo a indiciar que o caminho para o sucesso pode estar a ser desbravado, logo surge a certeza de que o GPS , afinal, continua desconfigurado e só encaminha para becos sem saída.
Com a temporada 2024/25 a terminar em modo Mundial de Clubes e a próxima já no horizonte — mistura de sensações em que o passado se confunde com o futuro, sempre um mau sinal na preparação de uma nova época desportiva — a conclusão é que, no mínimo, o FC Porto precisa de jogar o dobro para dar luta a Sporting e Benfica.
Jogar o dobro? A expressão traz-me memórias… A 17 de junho de 2009, ao início da tarde, já chegara à redação no Bairro Alto, soube que teria de estar presente na apresentação do novo treinador do Benfica: Jorge Jesus, o eleito por Luís Filipe Vieira para suceder a Quique Flores. Na sala de imprensa da Luz, enquanto pairava o terceiro lugar alcançado pelo espanhol na Liga de 2008/09 e o tetra celebrado pelo FC Porto, JJ entrou a matar.
«Como faço em todos os clubes por onde passo, para o ano os jogadores do Benfica vão jogar o dobro daquilo que jogaram na época passada. Só isso. E o dobro se calhar é pouco...», assumiu Jesus, promessa que cumpriria com a conquista do título em 2009/10.
Por esses dias, Jesus via-se ao espelho como se fosse Deus e talvez perguntasse... espelho meu, espelho meu, há algum treinador melhor do que eu? Um ano mais tarde, vítima da máquina trituradora de André Villas-Boas, o ego desinchou e saltaram à vista as limitações de um técnico que se julgava melhor do que realmente era. Entretanto, passaram 15 anos e AVB mantém boa relação com o outrora adversário, apesar de terem feito faísca em 2010/11.
«[Jorge Jesus] Mandou-me uma mensagem quando estávamos a tirar a fotografia com as quatro Taças [conquistadas em 2010/11]. Na altura não tinha o número dele, mas recebi aquela mensagem e a partir daí começou uma relação muito boa. Falamos bastantes vezes de jogadores, de jogos, experiências... Foi um grande inimigo, todas as grandes vitórias precisam de um grande rival», contou AVB ao Porto Canal, em 2018, a deixar claro que se deu bem com Jorge Jesus tanto na disputa dentro de campo como no entendimento pessoal fora dele.
«É um fora de série no aspeto tático, na organização das suas equipas. É uma pessoa muito dedicada e, além disso, tem uma visão muito forte sobre os princípios do jogo e o modelo de jogo que quer implementar. E como tem ideias muito fixas e uma capacidade de ensinar muito boa, muito próxima aos seus jogadores, teve um impacto brutal no Brasil. Sem dúvida abriu o mercado dos treinadores portugueses no Brasil», voltou a elogiar, em 2020, então à Fox Sports, do Brasil, atributos que, em tese, encaixariam na perfeição no perfil de treinador que desejaria para ocupar a cadeira de sonho
Creio que o futuro do FC Porto nas quatro linhas — só aqui, sublinhe-se... — depende mais de um regresso às origens do que de ideias extravagantes e masoquistas que expõem o que de pior têm os jogadores ao invés de lhes disfarçarem as limitações.
O relógio não perdoa — o FC Porto arrisca bastante se oferecer outra época de aprendizagem e experimentalismo a Martín Anselmi. E não é que está no desemprego um treinador capaz de pôr uma equipa a jogar o dobro e com grau de exigência para combater ambientes de marasmo?