Se Rui Costa ama o Benfica deve demitir-se
'Selvagem e Sentimental' é o espaço de opinião semanal de Vasco Mendonça, consultor de marketing e adepto do Benfica
Há quase quatro anos, Rui Costa chegou à presidência do Benfica como quem atinge o pináculo natural da sua vida.
Era o desfecho que se esperava para um dos benfiquistas mais acarinhados em muitas décadas de clube. O novo presidente tinha tudo para fazer a diferença, começando pela legitimidade democrática de 85% dos votantes na eleição mais participada da história do clube. Mas foi mais do que isso. A votação esmagadora em Rui Costa não foi motivada por uma crença inabalável no seu programa eleitoral, mas antes pelo enorme afeto — daquele que se guarda para grandes amigos ou familiares próximos — e também por uma forte convicção de que Rui Costa saberia agarrar esta oportunidade e, com o tempo, se faria presidente.
A desilusão é, por isso, enorme, até mesmo em quem não votou nele, como foi o meu caso. Como tantos outros sócios, quis acreditar que Rui Costa aproveitaria a oportunidade extraordinária de que dispunha. Cheguei mesmo a pensar que era esse o caminho que estaria a trilhar.
Ao texto, publicado nesta página, chamei 'Sinais de mudança'. Vi no contexto de então uma oportunidade para incentivar Rui Costa a acelerar e, após os primeiros meses de mandato, deixar definitivamente a sua marca. A desilusão foi total. Os sinais de mudança confirmaram-se, mas a mudança deu-se, fundamentalmente, para pior em muitas das matérias que estruturam a vida do clube.
O futebol é o momento, o que faz de um mandato eleitoral de quatro anos uma eternidade. Há tempo para muitos momentos, mas o resultado acumulado é inescapável. Rui Costa e a sua direção — por desgaste autoinfligido, falta de coesão, défice de competência ou puro laxismo — são responsáveis pela erosão da identidade do Benfica ao longo dos últimos anos. O tempo é um juiz muito chato e não perdoa as promessas adiadas ou falhadas, as ocasiões de golo com a baliza aberta em que alguém decidiu passar a bola para trás.
À sua maneira, todos os que permaneceram, de Rui Costa a muitos membros dos atuais órgãos sociais, acabaram por patrocinar ou autorizar a si mesmos um tipo de liderança que, vindo do topo, contaminou negativamente tudo o que estava abaixo dele. Um Benfica fraco, omisso, desgovernado, envergonhado, um Benfica infiel a si mesmo. Um Benfica desfigurado, um Frankenstein à mercê do destino e dos adversários. Um Benfica, para usar a gíria futebolística, que preferiu quase sempre retrair-se e oferecer a iniciativa.
Passaram-se dias que pareceram semanas, semanas que pareceram meses e meses que pareceram anos. A vida de um benfiquista mede-se, entre outras coisas, em vitórias e desaires. As vitórias são sempre mais efémeras. Fazem parecer que tudo passa depressa demais. Quando se repetem, não se limitam a encher salas de museus. Produzem identidade, cultura, uma mentalidade.
As derrotas também, mas no sentido contrário. Infelizmente, o mandato de Rui Costa adotou a derrota como sufixo. De cada vez que o vejo dizer que assume a responsabilidade, mas daí não retiro qualquer consequência, uma parte de mim é convencida de que Rui Costa não se aborrece tanto quanto os restantes benfiquistas com as derrotas.
Ora, tenho por certo que isso é falso e que Rui Costa sofre como os demais. Resta, por isso, outra explicação, não menos preocupante: ao fim de quase quatro anos, Rui Costa simplesmente não conseguiu encontrar as condições para tornar o Benfica o clube que ele sabe que o Benfica deveria ser e que deixou de ser na sua liderança. A derrota não se pode tornar a palavra dominante da vida de um clube como o Benfica, o denominador comum a vários anos de suplício.
Em outras organizações, quase sempre muito menos tolerantes, pedir-se-ia reflexão profunda, responsabilização total e consequência sem hesitação.
No Benfica de Rui Costa, assobia-se para o lado e tenta-se produzir um resultado diferente fazendo exatamente as mesmas coisas que se fez.
O que fica de tudo o que passou? Um clube adiado e diminuído por um dos seus ídolos. Chega a ser triste ver onde nos encontramos agora. A estrutura desportiva, à qual seria dado o primado nesse mandato, revelou-se incapaz de tomar decisões estratégicas coerentes em matéria de contratações e, especialmente, de vendas.
O prejuízo foi financeiro, mas também desportivo e identitário. No processo, o Benfica é hoje uma fábrica de talento reconhecida no mundo inteiro, mas é incapaz de fabricar ídolos enquanto estes cá estão, de águia ao peito.
A aposta na formação continua a ser uma expressão bonita para popular o PowerPoint desta direção, mas a realidade continua a ser outra quando alguém olha para os factos e tenta compreender a saída de João Neves.
Nas relações institucionais e na comunicação externa, Rui Costa acaba por se revelar uma sombra do líder que deveria ter sido. Em inglês dizem assim: «When the going gets tough, the tough get going.» Faltou o reconhecimento do contexto e a correspondente dureza a Rui Costa, que nunca se conseguiu impor, preferindo antes resistir estoicamente a ser o presidente de que o Benfica precisa. Talvez Rui Costa não tenha compreendido que o cargo de presidente do Benfica não resulta exclusivamente do seu estilo pessoal.
Até poderia ser assim, se tivesse conquistado laboriosamente o capital para isso. Não foi o caso. Lamento, Rui: o cargo de presidente é um fato que compete obrigatoriamente vestir, mesmo quando a cerimónia não é a mais agradável. Não aceitar estas regras do jogo resultou num tremendo falhanço na defesa do Benfica.
Financeiramente, o clube tornou-se perigosamente dependente de um modelo em que vive acima das possibilidades e caminha na red line de uma crise financeira, utilizando a formação do Seixal como apólice de seguro e não como espinha dorsal de um projeto desportivo. Quanto à transparência, a sua ausência foi quase sempre cristalina. Em suma, os maus resultados não se agravaram apenas no marcador. Este mandato atingiu o pleno de insuficiência, dentro e fora do campo.
«A nossa identidade, a nossa razão de existir é vencer. Hoje e sempre!»
É desta forma que Rui Costa termina a mensagem inicial da apresentação do Orçamento 2025/26, a ser votado em Assembleia Geral do clube no próximo dia 7 de junho. Vale a pena questionar com dureza o que fez Rui Costa pela identidade do clube, pela sua razão de existir, se esta é vencer, como o próprio afirma. Há cerca de quatro anos, o ainda presidente do Benfica sinalizou a mudança.
Os adeptos mais crédulos esperaram, mas a realidade nunca acompanhou as promessas. Confrontado com estas e outras evidências, Rui Costa nunca se mostrou capaz de corrigir a rota. E nada leva a crer que a competência e a liderança necessárias venham a aparecer agora, em véspera de novas eleições, ou muito menos num próximo mandato, cenário que hoje me parece aterrador para quem anseia por uma mudança, por novas formas de procurar o sucesso no clube.
Os benfiquistas merecem mais e isso tem de ser definido o quanto antes em novas eleições.
Já basta. Se Rui Costa ama verdadeiramente o Benfica, então fará tudo o que estiver ao seu alcance para que o Benfica não continue a adiar a sua razão de existir. Que faça o que se espera dele enquanto grande benfiquista que é. Que anuncie a sua demissão, para deixar o clube e os seus donos escolherem o futuro com a celeridade que o atual contexto exige. Tem uma oportunidade de escrever uma página muito digna no próximo sábado.