1 junho 2025, 11:30
Como prever o futuro aos 17 anos
'Tribuna livre' é um espaço de opinião em A BOLA aberto ao exterior, este da responsabilidade de Luís Sobral, consultor e ex-CEO da FPF
Tribuna Livre é um espaço de opinião de A BOLA e esta é da responsabilidade de Luís Sobral, consultor e ex-CEO da FPF
O Euro-2025 de seleções femininas ainda nem começou e já estabeleceu novo recorde de bilhetes vendidos. Na Suíça, as bancadas estarão esgotadas e a festa é garantida. Por estes dias, o feminino alimenta-se de boas notícias.
Em Inglaterra, no Euro-2022, os bilhetes vendidos cresceram 132 por cento face a 2017. Agora serão 670 mil, mais 500 milhões a ver através da televisão. Os que, como eu, visitarem a Suíça para ver jogos deixarão por lá cerca de 190 milhões de euros.
Aguenta mais alguns números?
Dias antes da boa notícia dada pela UEFA, um estudo previa que em 2030 o futebol feminino estará entre os cinco desportos com mais adeptos. Em vez dos atuais 500, seremos 800 milhões a gostar. Crescer 38 por cento parece otimismo, mas de 2020 até hoje o crescimento rondou os 60 por cento.
O futebol jogado por mulheres atrai público diferente, como se percebeu na recente final da Liga dos Campeões entre Arsenal e Barcelona, em Lisboa. Ser diferente não é um problema, antes uma extraordinária oportunidade.
A maior parte dos fãs que gostam de futebol feminino são mulheres, as principais decisoras quando se trata de consumir. O estudo, percebe-se, é um aviso às marcas: os adeptos estão lá e vocês, as grandes empresas, estão a ficar para trás. Um pouco óbvio de mais, esperemos que funcione.
No feminino existe competência para criar eventos que são notícia (Mundiais, Europeus, final da Champions, recordes de espectadores um pouco por todo o lado), mas na solidão dos dias normais o futebol jogado por mulheres assemelha-se a uma pequena e média empresa, longe do poder e influência de uma multinacional.
O estudo até pode prever 800 milhões de adeptos, mas será que andam só no Instagram?
Em Portugal, por exemplo, a média de espectadores por cada partida da Liga BPI ronda os 500. Em Espanha são 1600, em França 1500, na Alemanha 2700 e em Inglaterra, enfim, quase 7 mil. Em alguns destes países a época de 2023/2024 até foi melhor do que a última. Com tão pouco interesse quotidiano, é difícil afirmar que de facto existe um mercado e apelar aos patrocinadores que se juntem a uma atividade que ainda não é de massas.
No programa Unstoppable que define metas até 2030, a UEFA coloca como um dos pontos fundamentais a melhoria das competições internas. De facto, em 2023/2024 existiam na Europa apenas três campeonatos femininos totalmente profissionais, em 2019/2020 era apenas um. O objetivo é ter seis em 2030.
Quem trabalha no feminino está consciente da realidade, que pouco tem a ver com o que se viverá durante um mês no Euro.
O futebol feminino só foi reconhecido pela UEFA em 1971, resultado da escassa visão dos dirigentes, na generalidade homens. A primeira competição de seleções ocorreu em 1982/1984.
As seleções jovens femininas surgiram em 1997/1998, quase no século XXI.
As provas europeias de clubes são de 2001/2002, dez anos antes de a primeira mulher aceder ao Comité Executivo da UEFA. Por essa altura nasceu a Champions feminina.
Estes registos são claros quanto à visão do futebol sobre a mulher em campo.
Aproveito para contar uma história do meu tempo na Federação Portuguesa de Futebol. Certo dia, recebemos na Cidade do Futebol especialistas que andavam a fazer a radiografia das federações, sobretudo na área da formação. Depois de muita conversa, perguntaram como funcionava o nosso departamento feminino. Expliquei que não tínhamos. O feminino fazia parte do dia-a-dia do presidente, da Direção e também do meu, na altura diretor-geral. Logo, de todas as equipas da FPF.
Na generalidade das estruturas do futebol o feminino ainda funciona numa sala que nem todos sabem muito bem onde fica. É visto como algo que apareceu para ocupar relvados, além de fundos. Quem pensa assim já lá estava, por vezes há muito tempo. A novidade são as raparigas que, alegres, surgem para treinar. Sabemos como por vezes é difícil lidar com a diferença.
1 junho 2025, 11:30
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De facto, hoje o investimento no feminino tem retorno quase inexistente.
Não duvidem, será assim durante muito tempo.
Precisaremos de décadas, apesar de o crescimento das praticantes federadas estar a acelerar na Europa e de haver jogadoras com milhares de seguidores nas redes sociais. Durante anos, os ordenados serão diferentes, os estádios também, tal como as assistências. As marcas pensarão duas vezes, os direitos televisivos serão de baixo valor.
Os ricos — leia-se o masculino — continuarão a ser chamados a pagar o atraso que eles próprios ajudaram a criar e manter.
O futebol feminino é uma oportunidade excelente de trazer novos — ia escrever melhores… — adeptos para este desporto, mas vai ser necessário continuar a investir. É uma mudança, não uma revolução.
A UEFA faz muito bem ao estabelecer como um dos objetivos para 2030 a utilização do futebol feminino como força de mudança positiva na sociedade. A bola é um dos instrumentos mais poderosos que conheço. Pode funcionar.
Os clubes tradicionais do futebol masculino estão a chegar e com eles o dinheiro que é necessário e traz recordes de transferências. Mais uma vez, acontecimentos que dão notícias, mas que não refletem a norma dos baixos salários e dos contratos de curta duração.
Em 2020/2021 eram 46 por cento os clubes que só participavam nas provas femininas. Em 2023/2024 o valor desceu para 34 por cento.
Em 2019/2020, só 66 por cento dos clubes participantes na fase de grupos da Champions tinham equipa feminina. Em 2023/2024 já eram 88 por cento. Em breve atingiremos os 100 por cento.
Pelo caminho da mudança estão a ser sacrificados alguns dos clubes amadores que fundaram e suportaram o feminino durante anos.
Em Portugal, Sporting, SC Braga e Benfica estão na Liga BPI há apenas uma década e o FC Porto disputará a segunda divisão na próxima época. Históricos como 1.º Dezembro, Ouriense, Futebol Benfica e Albergaria têm sido incapazes de encontrar meios para permanecer ao mais alto nível.
21 abril 2025, 09:25
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Na Europa acontece o mesmo. Esta época, por exemplo, o histórico FFC Turbine Potsdam, equipa do leste alemão que foi cinco vezes campeã e até conquistou a Liga dos Campeões em 2004/2005 e 2009/2010, somou apenas um ponto no campeonato. Obviamente desceu. França, Espanha e Itália vivem episódios semelhantes.
Por enquanto, é ainda a construção de um «futuro sustentável» que preocupa a UEFA. Em 2025/2026 a Liga dos Campeões será diferente e haverá uma segunda prova. Portugal terá três equipas e o dinheiro que chegará da Europa para os clubes baterá recordes.
O mesmo acontecerá no Euro-2025.
A UEFA decidiu imitar a FIFA e assegurar que o dinheiro que dá às federações chega mesmo às jogadoras.
Cada federação participante encaixa logo à partida 1,8 milhões e o vencedor receberá quase seis milhões.
Tudo somado, os prémios para as seleções atingem os 41 milhões de euros, mais 156 por cento do que em 2022 e cinco vezes mais do que os 8 milhões de 2017. Recordes, claro. É bom, mas o futebol feminino não crescerá só com boas notícias de quando em vez.
Até porque o futebol feminino bem precisa de quem invista.