Gestão da fadiga de viagem e jet lag: preparação do Mundial de Clubes
É em Tampa, na Flórida, Estados Unidos, que a equipa do Benfica prepara a participação no Mundial de Clubes (MIGUEL NUNES)

Gestão da fadiga de viagem e jet lag: preparação do Mundial de Clubes

OPINIÃO16.06.202508:50

Tribuna Livre é um espaço de opinião em A BOLA, esta da responsabilidade de Sérgio Loureiro Nuno, fisioterapeuta olímpico dedicado a performance e recuperação de lesões desportivas; professor universitário

O Mundial de Clubes da FIFA de 2025 realiza-se nos Estados Unidos entre 15 de junho e 13 de julho de 2025 com 32 equipas. A competição terá 12 estádios, localizados principalmente na costa leste do país, incluindo cidades como Miami, Filadélfia, Nova Iorque, Orlando, Charlotte, Atlanta, Cincinnati, Nashville, Washington D.C., Seattle e Los Angeles.

Depois de ter sido palco da Copa América de 2024, os Estados Unidos continuam com grandes eventos agendados, mas além de uma combinação de sucessos financeiros e de audiência com desafios logísticos e organizacionais, há preocupações significativas por parte das estruturas desportivas. Os americanos naturalmente acreditam que têm o país ideal para sediar grandes eventos, mas a Copa América deixou algumas dúvidas e seria novo descalabro se antes do Campeonato do Mundo de 2026, o Mundial de Clubes também não fosse um sucesso.

O atleta moderno é frequentemente obrigado a viajar nacional e internacionalmente, incluindo distâncias curtas de alta frequência (inferior a 3 horas) e longas distâncias de baixa frequência (superior a 3 horas) que podem envolver o cruzamento de vários fusos horários.

A fadiga de viagem subsequente e o jet lag resultam de um conjunto de sintomas, como fadiga diurna, diminuição da concentração e estado de alerta, interrupção do sono e distúrbios gastrointestinais. Isso pode levar ao aumento do risco de lesões, bem como efeitos adversos no desempenho atlético.

Será interessante investigar ao longo desta nova competição se a quantidade e gravidade de lesões terá um impacto maior comparativamente a outras competições do mesmo formato.

A fadiga de viagem e o jet lag são dois conceitos distintos, mas que podem ocorrer simultaneamente ao viajar para leste ou oeste em três ou mais fusos horários. A fadiga de viagem ocorre em todos os atletas que viajam e pode ser aguda após qualquer viagem longa individual, ou crónica (cumulativa) como consequência de viagens repetitivas dentro de uma temporada. Sendo o Mundial de Clubes, a fase final de temporada para muitos dos atletas que vão participar, não será um bom indicador para os clubes europeus (tradicionalmente favoritos em competições de clubes).

O jet lag é episódico com sintomas semelhantes, mas mais grave e prolongado em comparação com a fadiga de viagem e segue viagens rápidas em 3 ou mais fusos horários (viagens transmeridianas, ou seja, leste-oeste/oeste-leste). É tipicamente caracterizado pela dessincronização entre o sistema circadiano humano interno e o tempo no novo destino.

As ferramentas de monitorização de atletas podem ajudar a entender a fadiga aguda e crónica, em viagens competitivas. Por outro lado, a intensidade e a duração, dos sintomas do jet lag pioram com o aumento do número de fusos horários cruzados, ou seja, cruzar 2 a 3 fusos horários produz sintomas mais leves em comparação com cruzar 8 a 10 fusos horários. A experiência do jet lag também é muito influenciada pela direção da viagem. Por exemplo, após um voo para oeste em 8 fusos horários, os atletas sentirão sono e o seu desempenho será prejudicado à noite, sendo que acordarão mais cedo que o normal. Pelo contrário, após um voo para leste em 8 fusos horários, os atletas também vão sentir-se sonolentos, mas o seu desempenho será prejudicado mais no início da tarde e terão dificuldade em adormecer na hora normal de ir dormir.

Com isto importa estudar as distâncias percorridas pelas equipas, que variam consideravelmente, dependendo da localização dos seus jogos.

Por exemplo, o Benfica, que está sediado em Tampa, na Flórida, pode estimar as distâncias aproximadas entre Tampa e os locais dos jogos em Miami (aproximadamente 280 quilómetros), Tampa a Orlando (cerca de 135 quilómetros) e a Charlotte com previsão de 650 quilómetros. Portanto, o Benfica percorrerá cerca de 1065 quilómetros durante a fase de grupos, sem contar com as deslocações internas em cada cidade. Por outro lado, a distância entre Lisboa e Tampa é de aproximadamente 6700 quilómetros, com diferença horária de 5 horas.

O FC Porto vai também disputar o Mundial de Clubes de 2025, sendo que as suas partidas ocorrerão em Nova Iorque e Atlanta, com distâncias consideráveis entre as cidades. Do Porto a Nova Iorque contam com uma distância de aproximadamente 5400 quilómetros e depois no vai-e-vem entre Nova Iorque e Atlanta (2.º jogo) e Atlanta para Nova Iorque (3.º jogo) contabiliza mais 2000 quilómetros.

Quem corre por gosto não cansa, até pode ser verdade. Mas as pernas não sei se responderão como os adeptos esperam ver, considerando não só o desgaste físico da época como a distância a percorrer entre jogos e o fuso horário. Houve já quem pensasse nisso outrora para uma competição norte-americana, a NBA.

Um estudo publicado na revista científica Chronobiology International avaliou resultados de mais de 25 mil jogos e como os diferentes fusos horários e distâncias percorridas influenciam nos jogos da NBA.

Os resultados mostram que as equipas ganham mais jogos em casa, quando os ciclos de sono-vigília dos jogadores, ligados ao ritmo circadiano estão à frente do horário local. Isso significa que o relógio biológico fica fora de sincronia com o ambiente, o que pode levar a insónia, cansaço diurno e outros problemas. O relógio biológico precisa de 24 horas para se adaptar a cada mudança de fuso horário de uma hora.

Relativamente ao desgaste físico e já enquadrado no futebol, há vários jogadores como Otamendi, Diogo Costa, Kylian Mbappé ou Joshua Kimmich que já passaram a barreira dos inacreditáveis 50 jogos esta época. Estes jogadores exemplificam a exigência física e a sobrecarga de jogos enfrentadas pelos atletas profissionais na temporada 2024/25.

O calendário apertado, com competições nacionais e internacionais, tem levado muitos deles a ultrapassar a marca de 50 encontros, o que pode aumentar o risco de lesões e afetar o desempenho a longo prazo.

O prestígio e os milhões são a porta de entrada e o ex-líbris desta nova competição. Veremos que mossa causará nos jogadores e na preparação das equipas para o próximo ano desportivo. A gestão de plantel com o aumento do número de jogadores pode ser uma opção. Não me espantava que o plantel das principais equipas começasse a ter 30 jogadores, indo totalmente contra a atual ideologia de grandes treinadores que procuram plantéis curtos, mas competitivos. Mas sem jogadores saudáveis não se ganha nada.

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