A ressaca dos brasileiros
'JAM sessions' é o espaço de opinião semanal de João Almeida Moreira, correspondente de A BOLA no Brasil
O tema é recorrente mas é, também, incontornável porque não se fala noutra coisa há mais de um mês: a diferença de atenção dedicada ao Mundial de Clubes pelos europeus em contraste com os outros terrestres, mais concretamente os sul-americanos, mais concretamente ainda os brasileiros.
Os europeus, já se sabe, estavam como aquela pessoa que, depois de um dia desgastante de trabalho, ao chegar a casa só pensa em assistir a uma série e dormir mas é levantada de repente do sofá porque um amigo, daqueles a quem não se consegue dizer não, o convida de última hora para comemorar o aniversário num bar.
No bar, bebe só uma ou duas (no caso do FC Porto) ou três ou quatro cervejas (no caso do Benfica) mas, mesmo saindo a meio da festa, sabe que já tem o rendimento da manhã do dia seguinte comprometido.
Os brasileiros, pelo contrário, já esperavam a festa há meses, vestiram a melhor roupa, calçaram o melhor par de sapatos, borrifaram-se com o melhor perfume e, ao sair de casa, olharam-se no espelho e prometeram: esta noite vou arrasar e só volto para casa depois do sol raiar.
Ao verem, porém, que os convidados, a quem queriam exibir a tal roupa, os tais sapatos, o tal perfume, estão ali mais por obrigação do que outra coisa, frustram-se, pois claro.
Entretanto, não é daquela festa mas da seguinte que vamos falar aqui. Depois de uma ou duas noites de um sono mais ou menos retemperador, FC Porto, Benfica e os demais europeus, passam a pensar animadíssimos na roupa, nos sapatos e no perfume novos que ainda vão comprar para se exibir nas respetivas ligas e nas competições europeias.
Pelo contrário, os brasileiros, mesmo Botafogo e Flamengo, que voltaram para casa mais cedo do que Palmeiras e Fluminense, sentem agora os efeitos da ressaca. E não há folgas ou férias para os curar.
O Botafogo, por exemplo, cuja noite do Mundial de Clubes foi tão louca que ficou até sem o treinador, assim como tantas vezes o boémio se dá conta no dia seguinte à balada que perdeu o telemóvel, as chaves ou coisa que o valha, tem, nada mais, nada menos, compromissos só em julho com o rival Vasco da Gama, o Vitória, o Sport, lá no Recife, o Grêmio, lá em Porto Alegre, o Corinthians e o Bragantino, para a Copa do Brasil. E, na agenda do mês do Flamengo, há Fla-Flu, há Santos e Bragantino fora, há São Paulo e Atlético Mineiro em casa e galo, outra vez, para a taça.
Viagens continentais, relvados esburacados, arbitragens confusas, rivais com fome de bola a todo o vapor e torcida e imprensa preparadas para bater forte ao mínimo deslize.
Portanto, enquanto os europeus ainda podem desfrutar de uns dias de relax antes da festa de rentrée a que estão desejosos de comparecer, bronzeados e revigorados, os brasileiros, estafados, têm de encontrar ânimo para regressar ao seu nem sempre salubre local habitual de trabalho.