ENTREVISTA A BOLA Rui Almeida: «Renovação? Disse à direção para não repetir os mesmos erros»

INTERNACIONAL10.06.202507:45

Treinador português do Difaa El Jadida explicou porque continuou ao leme da equipa marroquina, apesar dos problemas no final da temporada, em que os seus jogadores fizeram greve devido aos salários em atraso

No início do ano, Rui Almeida foi convidado a assumir o comando técnico do Difaa El Jadidi, que estava na luta pela permanência, e as coisas começaram muito bem. A sua equipa garantiu rapidamente o objetivo e terminou em nono lugar, resultados que motivaram uma renovação de contrato entre ambas as partes. Em entrevista à A BOLA, o técnico português de 55 anos falou sobre a sua primeira experiência no futebol marroquino.

- Este ano aceitou um novo desafio, em Marrocos. Chegou a meio da temporada e não perdeu nenhum dos oito primeiros jogos. O clube estava na luta pela descida, mas conseguiu facilmente o objetivo da permanência. Como foram estes primeiros meses? 

- Muito obrigado pelo convite. Foi um desafio, acima de tudo um desafio. Um país novo, uma liga nova, um país que vai organizar o Campeonato do Mundo e foram alguns desafios que me levaram a Marrocos. Felizmente correu bem, rapidamente, e isso foi um dos objetivos... não levarmos para a parte final o objetivo, conseguimos, sei lá, seis, sete jogos antes do final. Sim, tivemos ali uma invencibilidade. Houve um momento que estávamos com o máximo de pontos possíveis da liga. Portanto, correu bem, correu muito bem. Quase que tivemos ali num momento na luta pelo sexto lugar para ir para as provas mais internacionais, mas não foi possível. 

- Está-se a adaptar bem ao país, à sua cultura? A proximidade com Portugal ajuda? 

- Eu diria, da minha experiência no mundo árabe, é talvez o mais simples de todos. É um país muito fácil de adaptar. É um país muito próximo, estruturado. Sim, muito próximo de Portugal, naturalmente, em termos de distância, mas, acima de tudo, um país desenvolvido em meios de comunicação, culturalmente, sim. É um país árabe, mas é um país, desse ponto de vista, ligeiro, mais leve. Então, as principais cidades, sei lá, Casablanca, Rabat, Tânger, são pontos turísticos para o mundo, Marraquexe, naturalmente. Mas, portanto, a adaptação foi fácil, foi simples para mim, até porque conheço bem o contexto. E depois a liga foi uma agradável surpresa também. No seu ponto geral, foi uma agradável surpresa.

- Renovou recentemente o seu contrato, vê-se no clube a longo termo? 

- Isso, no futebol, não é muito possível. Eu olho para a frente sempre. Olhamos jogo a jogo. Aquilo que foi possível foi assegurar com a direção. Até porque foi público, houve problemas na última época, infelizmente, e assegurámos com a direção para que nós ficássemos e prolongássemos o nosso vínculo com o clube para o próximo ano. Foi haver alguma estabilidade do ponto de vista financeiro, para que fosse possível maximizar e melhorar aquilo que nós fizemos no ano passado. Nós terminámos a época com os jogos que nós fizemos em 6º lugar, que basicamente é atrás do top 5 e é dentro do possível de nos intrometermos nessa luta. E para isso é necessário esse tipo de estabilidade financeira. Dar condições para que nós façamos um trabalho e aportamos aquilo que nós realmente temos como competência, mas para isso é preciso alguns pontos e um deles é naturalmente o ponto financeiro. Também a parte estrutural do clube, que nós ajudámos a desenvolver e o clube está a fazer um esforço muito grande. No campo de treinos, de repente, temos mais dois ou três campos de treinos. Podemos treinar de dia, podemos treinar de noite. Tudo isso de noite, porque há o Ramadão. São pontos que, às vezes, na Europa nós não o pensamos muito, mas lá é muito importante. E outras questões estruturais de departamentos de análise, de performance, que nós ajudámos a estruturar também.

- E quais são os objetivos para a próxima temporada?

- Sabe que é um clube que esteve há cinco, seis anos atrás, na Champions League. Portanto, o clube tem claramente um objetivo de regressar às competições internacionais, mas tem que se reestruturar. É um clube que, para isso, para se intermeter na luta dos grandes, dos grandes, eu digo, são clubes que têm outro tipo de orçamentos, é só na questão financeira. Tem que se estruturar, tem que se organizar, para que nós consigamos aproximar-nos dessa luta internacional, das competições internacionais. Já nos estarmos a intermeter no ranking do top 5... seria fantástico.

- No final da temporada, os seus jogadores fizeram greve em protesto com os salários em atraso, calculo que tenha sido isso a prejudicar um pouco os últimos resultados, apesar no 9.º lugar. Como viveu a situação? 

- Nós guardámos isso muito para dentro, falámos isso em família e usámos esses problemas dentro do clube. Neste momento não há problema nenhum. Aquilo que nos, acima de tudo, afetou, porque naturalmente quebrou-nos um bocadinho o ciclo, porque nós vínhamos muito forte... os tais oito jogos invencíveis, e quebrou-nos ali um bocadinho a nossa dinâmica. Mas o mais importante é olhar para o futuro e foi isso que eu disse à direção. Não repetir os mesmos erros. Não voltar a acontecer, porque isso são pontos essenciais para construir projetos de sucesso. Portanto, garantir que isso aconteça, para que não haja nada de negativo no arranque, nem durante a época. Para que consigamos alcançar objetivos que nos vamos propor.

- Marrocos está preparado para receber o Mundial 2030, em conjunto com Portugal e Espanha? 

- É um país que está em grande desenvolvimento em termos de questões desportivas. Só para lhe dar um exemplo, não quero fazer um erro, mas são sete ou oito estádios que estão a acabar de construir. Alguns em renovação, alguns de novo e isso é enorme. A Liga vai dar um salto qualitativo em termos de estruturas muito grande, naturalmente. Estamos a falar de oito estádios novos para o campeonato e depois há várias dinâmicas que a própria Federação tomou medidas. Há 30 diretores técnicos no país que estão a trabalhar com a formação do país, a nível das seleções e as seleções regionais. O país está-se a organizar não só em termos de estruturas de Estado e meios de comunicação. O ponto, não sei se muita gente conhece, Marrocos é talvez um país, olhamos por exemplo Portugal, igualzinho a Portugal, tem autoestradas que ligam as principais cidades. É um país desenvolvido, um país que a pessoa, se não estivesse no mundo árabe, estaria em alguma cidade europeia. É esse nível. Jadida é uma cidade costeira, uma cidade de praia, exatamente banhada pelo mesmo oceano, o oceano atlântico. Portanto, uma vida tranquilíssima a esse nível também.

- Como se compara o futebol marroquino ao português? Por exemplo, o FC Porto defrontou recentemente o Wydad para preparar para o Mundial de Clubes e ganhou, mas apenas por 1-0.

- Essa questão do só ganhar é muito... e nós vemos quando há campeonato de Mundial de Clubes, ou o que for, não há resultados muito desequilibrados. Os resultados desequilibrados no futebol podem acontecer, naturalmente, aconteceu na final da Liga dos Campeões. Agora, não se vê, normalmente, um resultado volumoso entre uma equipa africana e uma equipa europeia numa dessas provas. Acima de tudo, há um ponto que é importante... é a competitividade do campeonato. O campeonato é muito competitivo e atenção que a maioria dos jogadores marroquinos não jogam em Marrocos. Jogam na Europa, a sua grande maioria, ou quase todos. Portanto, há uma segunda linha de seleção em Marrocos, mas se fosse jogar, iria ser competitiva também, muito competitiva. Certeza absoluta que a nível interno, iria se bater com o Egito ou iria se bater com o FC Porto. Não iria se bater com a Costa da Marfim ou outra qualquer, porque, naturalmente, Marrocos, neste momento, a par do Egito, batem-se pelo número 1. Portanto, é claramente um futebol competitivo. Está a melhorar, está a ser mais competitivo, está a trabalhar na base para que, daqui a alguns anos, esses jogadores tenham um nível de conhecimento do jogo, tático, ainda superior. Porque o resto, eles têm, aquilo que falta um bocadinho na Europa, neste momento, falando do nosso país, especificamente, eles têm futebol de rua. Aquilo que nós falamos, às vezes, a falta de futebol de rua, Marrocos tem futebol de rua. Eles jogam no alcatrão, jogam na praia. Se você vai à Jadida, às sete da manhã estão os mesmos a jogar na praia, todo o dia. Estão no alcatrão, estão em qualquer campo que você tem, eles estão lá a jogar. Portanto, ali é uma questão mais de educação e um bocadinho de formação, numa fase mais avançada da carreira do atleta, porque isso é necessário, depois, para trazer. Agora, vamos ver, de certeza, eu não sei quais serão os resultados, mas vamos ver. O Wydad está sozinho, mas se tivessem outros no Campeonato Mundial de Clubes, não tinha dúvida nenhuma que iriam ser equipas muito competitivas.

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