ENTREVISTA A BOLA «Benfica é muito bom a formar, muito rápido a vender, mau a contratar»

NACIONAL05.06.202509:00

Noronha Lopes considera que a SAD liderada por Rui Costa não fez tudo o que podia para segurar João Neves

No dia em que João Noronha Lopes formaliza a (nova) candidatura à presidência do Benfica, A BOLA publica uma entrevista com o gestor e empresário de 58 anos. Neste excerto da conversa, o candidato deixa críticas à gestão atual, insistindo sobretudo na incapacidade para segurar o talento saído da formação, com João Neves, agora campeão europeu pelo PSG, apontado como exemplo evidente. A propósito da final da Liga dos Campeões, Noronha Lopes assume que não gostou de ver três jogadores do Benfica com a camisola do PSG vestida, nas bancadas, mas elogia o benfiquismo de António Silva, Tomás Araújo e Tiago Gouveia.

— Em setembro de 2024 disse que «não há contas certas quando não se controla aquilo que se gasta», a propósito das contas da SAD. O Benfica precisa apertar o cinto?

— O Benfica precisa de ser bem gerido. Do ponto de vista desportivo e financeiro. Relativamente às contas, há dados preocupantes: a evolução dos capitais próprios, a diferença entre o passivo e o ativo de curto prazo, nomeadamente. Agora, o problema fundamental do Benfica resume-se a uma questão: o Benfica, em termos de receitas e despesas correntes - ou seja, excluindo as vendas de jogadores -, gasta mais do que aquilo que recebe. E o que é que acontece quando isso se verifica ano após ano? Somos obrigados a vender jogadores. E a vender não só mais cedo, como eventualmente a ter de vender mais. E este é um modelo que não funciona e que pode pôr em causa aquilo que é a sustentabilidade do futebol do Benfica, que é a importância da formação. O Benfica tem de ter uma formação para vencer e não uma formação para vender.

Como é que isto se consegue? Primeiro, através da criação de uma identidade e de uma cultura de vitória que tem de ser transversal a todo o futebol do Benfica. Temos de querer ganhar muito e, para isso, temos de criar condições para que os jogadores da nossa formação permaneçam pelo menos três anos no Benfica, inclusive numa época que seja de afirmação. Isso constrói-se numa organização em que todos, desde o diretor desportivo até o treinador, percebam a importância que a formação tem, e se criem condições para que os jogadores evoluam até à equipa principal, sendo que todos eles serão avaliados pela capacidade que têm de aproveitamento dos jogadores da formação. E obviamente que se consegue pela criação de incentivos financeiros para que os jogadores da formação possam ficar durante três anos e ser campeões pelo Benfica. Dizem-me: mas o Benfica tem condições para fazer isso? A minha resposta é: obviamente que tem, porque se o nosso rival tem condições para reter os melhores jogadores, ninguém me convence que o Benfica não tem condições para manter os seus melhores jogadores da formação. Ouço muitas vezes a expressão «não se pode cortar as pernas aos jogadores para ir lá para fora». O que quero ouvir é que não se cortem as pernas aos jogadores para que eles cumpram o seu sonho de vestir um manto sagrado e de se tornarem ídolos no Benfica. E isso obviamente é algo que temos de fazer. O Benfica é muito bom a formar, é muito rápido a vender e é mau a contratar. Isso comigo vai mudar.  

— Partilha a crítica que tem sido feita à gestão atual de que há pressa em vender jogadores?  
— Acho que há uma má gestão desportiva que se manifesta em várias coisas. Primeiro, na organização. Temos hoje uma organização em que ninguém sabe o que é que faz. Em que contratamos jogadores sem o parecer positivo do scouting. Em que as pessoas mal se falam. Em que um jogador diz uma coisa à tarde e o presidente diz uma coisa diferente à noite. Uma organização que tem o plantel mais caro de Portugal, mas que tem apenas um jogador no top 10 dos melhores jogadores. E, portanto, não é a questão de gastar mais ou menos. O que estamos é a gastar mal, e é isso que tem de mudar no Benfica. E, depois, relativamente à formação, aquilo que acontece é que há uma total incapacidade para motivar e para reter os melhores jogadores. Vou dar-lhe um exemplo, que é o caso João Neves. Como é que é possível ter um jogador que já na altura todos os benfiquistas conseguiam ver que era um dos melhores médios da Europa, que corporizava aquilo que é a mística, a vontade de vencer e a garra do Benfica, e que depois tinha ordenado quatro ou cinco vezes inferior a jogadores que nem sequer eram titulares? E como é que se deixa chegar a situação a um ponto em que atempadamente não se fala com o jogador, não se faz um aumento ordenado a colocá-lo ao nível dos melhores, não se criam inclusivamente as condições para que possa ser capitão do Benfica, e depois de se tornar um ídolo e vencer, então o jogador devia ter saído. Portanto, o Benfica não fez, relativamente a João Neves, tudo aquilo que poderia fazer para reter o jogador. E olhe que sei muito bem daquilo que estou a falar.

— Não olhando só para o João Neves, mas para outros João Neves que possam aparecer, acredita que é fácil fazer esse equilíbrio, tendo em conta, por exemplo, aquilo que ele fez esta época no PSG, no qual foi campeão europeu? É possível passar aos jogadores da formação essa mensagem de que é melhor ficar mais um ou dois anos na equipa principal do que ir para outros clubes de patamares superiores, não só de ordem financeira, como também desportiva?

— Claro que é. Agora, mais uma vez, o problema do Benfica, hoje em dia, resume-se a duas ideias a nível do futebol: falta identidade e falta competência. Falta identidade e cultura de vitória. O problema não é que nós não ganhemos todos os anos, é que banalizemos a derrota. É que, quando existe um problema, em vez de procurar uma solução, estamos sempre à procura de uma desculpa para aquilo que aconteceu. E, portanto, é preciso que todos os jogadores tenham essa cultura de vitória, a começar pelos jogadores da formação, que têm de sentir que todas as pessoas naquela organização têm como objetivo que eles possam ascender à equipa principal do Benfica e que se possam tornar ídolos na equipa principal do Benfica. E, depois, o Benfica tem perfeitamente condições financeiras para aguentar os jogadores durante três anos, incluindo uma época de afirmação. Depois, naturalmente, os jogadores podem sair, mas depois de ganharem pelo Benfica. Isso acontece em muitos clubes e não há razão absolutamente nenhuma para que não aconteça no Benfica.

— Já agora o que é que sentiu quando viu Tomás Araújo, Tiago Gouveia e António Silva vestidos com a camisola do PSG, quando assistiram à final da Liga dos Campeões?  
— Não gostei. Gosto muito mais de os ver com a camisola do Benfica. Sei que estiveram lá com um amigo, a apoiar um amigo, mas aquilo que é muito importante dizer neste momento...

— Como procederia, se fosse presidente do Benfica?  
— Aquilo que é muito importante dizer neste momento é que ninguém no Benfica pode colocar em causa o profissionalismo, a entrega e o benfiquismo daqueles jogadores.

Veja a entrevista na íntegra:

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